Por Rodnei Domingues
Recebemos diariamente milhares de mensagens para nos induzir e orientar nossas escolhas. Muitas vezes tomamos decisões sem perceber que fomos involuntariamente conduzidos por pessoas persuasivas.
Há os que falam em persuasão e os que, de forma explícita, falam em manipulação linguística. O fato é que há milhares de maneiras de não dizer a verdade sem mentir. Na sociedade de comunicação, as técnicas midiáticas assumem importância cada vez maior.
Os truques retóricos que se aproveitam dos automatismos da mente sempre existiram: basta pensar no significado do termo ‘maquiavélico’. E Shakespeare fornece, em Otelo, uma longa lista de exemplos.
O instrumento mais refinado da mistificação ainda é a linguagem, na qual nos baseamos para construir nosso mundo mental das relações interpessoais. A mistificação é o processo pelo qual a pessoa que fala ou escreve dirige a atenção do interlocutor, empregando determinadas palavras que o induz a aceitar ou a rejeitar determinadas idéias.
Da propaganda podemos extrair vários exemplos de persuasão. Se, por exemplo, uma embalagem anuncia que o produto contém – ou não – determinado ingrediente, somos levados a pensar que isso representa para nós uma vantagem. Mas trata-se de uma dedução nossa: o fabricante limita-se a declarar a presença do ingrediente ou substância.
Outro exemplo: se no rótulo de uma água mineral diz que o produto facilita a diurese ou elimina toxinas, não significa que seja um produto excepcional, pois essa é a característica comum, em maior ou menor grau, a toda água potável.
Se um produto divulga que “não contém” lactose, colesterol ou qualquer outro ingrediente, isso não o torna, necessariamente (a menos que soframos alguma intolerância a eles), mais benéfico.
Mas, sempre que essas informações são divulgadas, tendemos a pensar que tais características significam vantagem. É assim que nosso cérebro raciocina.
A palavra faz a força
Segundo os psicolingüistas, ‘dizer é fazer’ e, nesse processo de construção da realidade mediante a palavra, a forma muitas vezes conta mais que o conteúdo.
Pensemos nas propagandas de sabão em pó que afirmam que determinado produto “lava mais branco”. Interpretamos que o sabão em questão é o melhor do mercado. Mas levando em conta o significado literal do que é dito, diversos produtos podem fazer o mesmo. Não foi dito que nenhum outro sabão em pó é capaz de deixar as roupas tão brancas, foi dito apenas que determinado sabão lava mais branco.
Dessa forma, obtém-se um efeito semelhante ao da publicidade comparada, evitando-se, porém, a necessidade de provar a afirmação.
O psicólogo da linguagem Paul Grace foi o primeiro a afirmar que os seres humanos agem conforme o ‘princípio da boa fé’, segundo o qual quem comunica algo tende a transmitir informações verdadeiras relevantes ao interlocutor. Segundo ele, esse princípio foi muito criticado, mas de fato todo ser humano, quando não tem motivo específico para mentir, tende a dizer a verdade e o interlocutor, se não tiver bons motivos para duvidar, tende a acreditar no que ouve: por essa razão a troca de informações é uma das bases da sociedade.
Dado que, durante toda a existência da espécie humana, cada ser humano, por não ter acesso a algumas informações necessárias à sua sobrevivência, teve que obtê-las de outro ser humano, entre confiar ou morrer, o pacto de confiança sobreviveu até os nossos dias.
A confiança é um elemento fundamental na história de nossa espécie. Embora nos dias de hoje se afirme ser mais raro as pessoas confiarem nas outras, e que, se outrora um aperto de mãos bastava para sinalizar o acordo, agora necessitamos de um complexo contrato, ainda assim a mente humana continua programada para confiar.
Por essa razão, mesmo em nossa desconfiada sociedade, as palavras podem exercer efeitos quase mágicos. Hellen Langer, psicóloga da Universidade de Harvard, mostrou experimentalmente que as pessoas estão mais dispostas a ceder seu lugar em uma fila – se o pedido for acompanhado por uma explicação, independentemente da veracidade desta. Exemplos: “Posso passar na sua frente? Tenho um grave problema para resolver” ou “Posso passar na frente? Estou muito atrasado”.
As pessoas que nos sugestionam são:
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as que nos parecem mais simpáticas ou que pertencem ao nosso “grupo de pares”;
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as que parecem ter prestígio (pessoas endividadas, mas vestidas com elegância são admiradas);
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as que nos envolvem em seus projetos (seremos mais inclinados a contribuir);
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as que nos oferecem algo, seja um presente, seja simplesmente atenção;
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as que propõem um bem que percebemos como raro ou precioso.
Mas há ainda outros tipos de astúcia. Podemos enganar dizendo a verdade: se a embalagem informar que os biscoitos “não contêm nitrato”, dirá a verdade. Mas, com isso, leva-se o consumidor a pensar que os produtos concorrentes contêm nitrato, “algo que não é verdade, ou ao menos se espera que não seja”. Outro exemplo disso é quando alguém, usando a entonação, insinua que viu Maria no carro de fulano, deixando que o interlocutor extraia do que foi dito uma dedução pela qual, pelo menos em tese, não se responsabiliza.
E no caso da afirmação ser feita por uma pessoa de prestígio, a confiança depositada será ainda maior.
Quando muitas pessoas fazem a mesma afirmação, haverá menos chances de questionamentos. Como ocorre freqüentemente, a afirmação será considerada verdadeira por todos.
É dessa forma que nascem as lendas urbanas, cuja característica é justamente não ter testemunhas oculares identificáveis.
Utilizar o poder da ciência para nos tranqüilizar causa um efeito ainda maior na geração de confiança.
Quando se diz que um produto foi “clinicamente testado”, parece oferecer por si só uma garantia, ainda que o importante seja, na realidade, o resultado do teste. Não costumamos perguntar: (1) foi testado, mas será que foi aprovado? (2) Será que a amplitude e as amostras testadas eram validas?
Não fazemos as perguntas e não temos as respostas, por esse motivo, tendemos a confiar.
Mesmo quando os produtos divulgam informações inúteis: por exemplo, “contém menos de 15% de sódio”, mas em relação a quê? Interpretamos as estatísticas de modo favorável à intenção de quem as fornece, mas “um contexto diferente pode dar aos mesmos números um significado bem diverso”.
Ultimamente, as propagandas estão mais sofisticadas, não utilizam a linguagem do engano, mas da sugestão, associando imagens atraentes ao produto que quer promover, de modo a evocar uma mensagem sem explicitá-la.